Associação
Bento de Jesus Caraça



O Problema do Ouro

António Carlos de Sousa

Este é um livro muito interessante porque é resultado do desejo de Bento de Jesus Caraça para aumentar a cultura integral da população levando esse objectivo a temas tão complexos como o sistema monetário internacional.

É de chamar a atenção para a data de publicação desta obra, em Junho de 1942, em plena segunda guerra mundial e antes portanto, dos acordos de Bretton Woods, celebrados em 1944, que levaram à utilização do dólar como moeda padrão apoiada na sua convertibilidade em ouro e que efectivamente estiveram na base do funcionamento do sistema monetário internacional até que os Estados Unidos suspenderam a convertibilidade do dólar com o ouro em 1971. O fim formal do sistema de Breton Woods foi formalmente ratificado em 1976.

Os Estados Unidos conseguiram garantir até há pouco tempo a sua moeda como o padrão internacional de facto, mas essa situação está a mudar e, desse ponto de vista, este livro volta a ter actualidade.

Sobre o livro, o Prefácio do autor é bastante claro na definição dos seus objectivos, pelo que aqui se transcreve o dito texto

O problema do ouro, a questão do ouro, o futuro do ouro, etc., etc. são títulos de livros e de artigos de revistas e de jornais com que o leitor depara quase todos os dias, embora o assunto seja velho já de muitos anos, se bem que debatido anteriormente com menos acuidade.

Se o leitor teve a curiosidade de ler aqueles livros ou artigos, é mais que provável que, a despeito da sua diligência e, possivelmente, até da sua sagacidade, não apreendeu bem em que consiste o problema do ouro, tão certo é ele mudar de aspecto, no espaço e no tempo, e consoante ainda a índole política ou escola monetária do autor que o debate.

Assim, o problema do prestigioso metal ora é de ordem nacional, ora é de ordem internacional. Ora se trata da pletora do metal nuns países e correlativa falta noutros, com os consequentes efeitos monetários inflacionista ou deflacionista — e daí as sentenciosas inferências de que ele está mal distribuído, urgindo, portanto, redistribuí-lo (não se diz claramente como, porque parece que a redistribuição é coisa difícil de fazer-se); ora se trata dos desequilíbrios entre o valor do ouro e o nivel dos preços - é dai as académicas conclusões sôbre a sua escasses mundial, acompanhadas das não menos académicas recomendações para a adopção de políticas restritivas de reservas; ora se lhe assacam os piores malefícios económicos e sociais, concluindo-se por opinar que ele seja banido dos usos monetários internacionais e substituido por um novo sistema que, no entanto, se não diz claramente qual seja.

Mas, ¿existe, de-facto, um problema do ouro por resolver ou trata-se, antes, de uma outra questão mais vasia e complexa e de que aquele problema não é mais do que uma faceta?

Certo que há um problema do ouro, pois que tanto se fala dele, dirá o leitor menos metafísico. O falar-se dele não é prova suficiente de que ele existe e já o facto de se falar dele tão nebulosamente seria motivo para suspeitar da sua existência real, isto é, como problema independente; mas enfim, mesmo como faceta de uma grande questão poliédrica, pode não deixar de ser um problema.

¿Em que consiste então o famigerado problema? É a esta pregunta que, por honroso convite do director da Cosmos, vamos tentar responder neste livrinho.

Porque se trata de um problema inteiramente relacionado com os problemas monetários — e ele é mesmo, em última análise, um problema monetário internacional — consinta-se-nos que, antes de entrarmos no terreno deveras difícil da tentativa de resposta e por atenção para com os leitores menos preparados, exponhamos, em introdução, algumas noções fundamentais do fenómeno monetário, encarecidamente necessárias para uma melhor compreensão daquilo que comumente se denomina o problema do ouro.

A citada Introdução, como o autor refere, pretende situar o leitor no contexto dos problemas económicos ligados à moeda, quer do ponto de vista histórico, quer do ponto de vista dos aspectos económicos relacionados. A Introdução está estruturada em quatro secções, das quais as três primeiras são uma exposição dos conceitos fundamentais: Da necessidade da moeda, Evolução do padrão de valores e Conceitos clássicos da moeda. A última secção, porém, Crítica dos conceitos clássicos da moeda, que é de longe a mais extensa, constitui uma interessante análise do tema que envolve o leitor no desenrolar dos argumentos expostos pelo autor.

O Capítulo I é dedicado aos aspectos que envolvem A produção do ouro. As suas três secções analisam a Geologia do ouro, Como se produz o ouro e um aspecto muito relevante, Produção e países produtores.

O Capítulo II analisa um problema complexo no contexto económico e político internacional, A distribuição do ouro. Na primeira secção, Como se distribui o ouro o autor analisa as causas de, como refere, as migrações do ouro: causas comerciais e de prestação de serviços, financeiras, psicológicas, especulativas, monetárias, puramente administrativas e industriais. Na segunda secção o autor expõe A teoria clássica do automatismo da distribuição do ouro e o emperramento deste automatismo. A última secção analisa as Causas e efeitos do desequilíbrio da distribuição.

O Capítulo III, O problema do ouro é o capítulo de maior relevo, quer pela extensão, quer pela profundidade de análise e âmbito da problemática discutida e das soluções propostas. Não é por acaso que o capítulo e o título do livro, têm a mesma designação.

Convém ter em conta, com já trás se referiu, que, quando este livro foi escrito, se desenrolava a segunda guerra mundial. O padrão ouro tinha vigorado do fim do século XIX até à primeira guerra, e sob uma forma ligeiramente diferente, a seguir à guerra até ao início dos anos 30 do século XX. O padrão ouro não estava, portanto em vigor quando o livro foi escrito.

Este capítulo tem cinco secções. Na primeira, ¿Em que consiste o problema do ouro?, o problema é apresentado e relacionado com outras questões correlacionadas. Na segunda secção, As duas teses antagónicas são expostas e brevemente analisadas a tese que afirma a indispensabilidade «de uma maneira ou de outra do uso monetário do ouro» e a tese oposta que nega a primeira. Na secção seguinte são descritas As dificuldades na redistribuição do ouro nomeadamente por a potência com maior acumulação de ouro, os Estados Unidos da América, não estar minimamente interessada nessa redistribuição. A quarta secção, ¿Pode dispensar-se o ouro como padrão de valores e como meio de pagamento de saldos internacionais? e a seguinte, A moeda nacional constituem o núcleo central da discussão de alternativas e propostas de resolução do problema do estabelecimento de um sistema monetário internacional sustentável e eficaz.

O livro termina com uma Conclusão em que o autor pretende, aproveitando toda a exposição anterior, construir um fecho do exposto que, obviamente não tem um carácter estabilizado e finalizado, até pelo ambiente que se vivia na época que, obviamente não permitia ter quaisquer certezas sobre o modo como as questões anteriormente apresentadas e discutidas iriam evoluir.

Este é um dos livros da colecção em que transparece a intervenção de Bento de Jesus Caraça, como director da colecção, para garantir que a exposição fosse acessível ao leitor não iniciado nas matérias expostas nos diversos livros. O problema do ouro termina com um Apêndice em que se definem termos e conceitos usados na exposição. É muito curiosa e reveladora a justificação que o autor dá para a sua inclusão que se transcreve seguidamente:

O Director da Cosmos, movido certamente pelo espirito preciso e conciso da matemática — «a rainha das ciências» como lhe chama o Prof. H. Levy na sua obra «The Universe of Science» pediu-nos que déssemos, em apêndice final, a definição de alguns termos e expressões que empregámos no decurso do nosso estudo monetário. Confessamos, aqui, que nos desagradou sobremaneira o pedido, porque uma coisa é ter-se a noção mais ou menos exacta do significado mais ou menos vago de certos termos e expressões usados em economia (¿onde está a precisão da definição da maior parte dos fenómenos económicos?) e outra coisa é trocar por miúdos tais termos ou expressões. Mas, enfim, com alguma diligência, vamos tentar satisfazer o desejo formulado, recomendando, no entanto, ao leitor interessado em mais amplo esclarecimento, a consulta do «Palgrave's Dictionary of Political Economy»; «Dictionary of Banking» de Thomson; Pitman's Business Man's Encyclopaedia & Dictionary of Commerce»; «Encyclopédie de Banque et de Bourse», «Larousse Commercial».

GSA