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Bento de Jesus Caraça



Conceitos Fundamentais da Matemática Vol. II

Bento de Jesus Caraça

O livro Conceitos Fundamentais da Matemática é uma obra excepcional do Professor Bento de Jesus Caraça. Inicialmente foram publicados dois volumes na Biblioteca Cosmos (os números 2 em 1941 e 18 em 1942 da colecção) aos quais se deveria ter seguido um terceiro volume que o autor preparou mas não chegou a incluir na colecção que ele próprio dirigia. Por isso, quando se referem os Conceitos, é normal ter em conta a obra completa que foi publicada integrada num único volume, pela primeira vez em 1951, três anos após a morte de Bento de Jesus Caraça e posteriormente numa edição totalmente renovada da Gradiva. Juntam-se os dados dessas duas edições:

Para compreender a importância desta obra no conjunto do trabalho de Caraça, sugere-se que se consulte o texto relativo ao primeiro volume dos Conceitos, número 2 da colecção.

Ainda sobre este livro existe um conjunto de interessantes textos listados nesta Bibliografia.

O conjunto de toda esta obra mantém-se actual pela forma como o seu conteúdo é exposto e contextualizado e pela sua qualidade global.

Este segundo volume é um segundo passo na exposição da matemática apresentado de forma a motivar e estimular não especialistas. Como continuação do primeiro volume, recorre a frequentes referências a assuntos apresentados aí, nomeadamente no que diz respeito a assuntos envolventes e condicionantes do desenvolvimento de conceitos matemáticos.

O primeiro capítulo, Estudo matemático das leis naturais está dividido em duas partes. Na primeira, Ciência e lei natural Caraça explora a evolução da forma da ciência estudar a realidade, terminando com o relevo que é dado à análise quantitativa da realidade apontando o

primado da lei quantitativa no seio da Ciência Moderna.

Essa análise prepara o leitor para a segunda parte do capítulo sobre o Conceito de função. Nesta segunda parte a entidade matemática função surge em paralelo com o conceito de lei quantitativa na ciência, em particular na Física, tendo o cuidado de prevenir contra abordagens demasiado directas que estão afastadas daquilo que foi a evolução real da conjugação entre a matemática e as ciências físicas. O autor vai apresentando os vários conceitos ligados ao estudo da função, em permanente paralelo com a lei quantitativa em física. Caraça analisa ainda a representação gráfica de funções em paralelo com a sua representação analítica, chamando a atenção para a equivalência entre os dois tipos de representação e notando que as duas representações são isso mesmo — representações — de uma entidade mais profunda que é a função em si.

O segundo capítulo, Pequena digressão técnica, explora a entidade função aprofundando alguns aspectos e exemplificando com casos tipo que, simultaneamente alargam o conhecimento geral de Matemática. Uma pequena primeira parte, Observações preliminares fazem-se algumas considerações sobre a forma de representar funções e outros aspectos circunstanciais.

A segunda parte do capítulo, Algumas funções importantes, apresenta alguns exemplos de funções, não só para ilustrar melhor o conceito de função, mas também para apresentar algumas funções que terão relevância no estudo de matemática. Trata-se dos polinómios, as funções circulares (trigonométricas), funções transcendentes e sucessões numeráveis. As funções circulares apresentam ainda uma oportunidade para ligar a matemática ao evoluir da física e astronomia.

O capítulo seguinte, o terceiro, é dedicado às Equações algébricas e números complexos e tem três partes. Na primeira, dedicada às Equações algébricas, estas são apresentadas a partir do conceito de polinómio. Aqui são abordadas as formas de resolver as equações, nomeadamente através de fórmulas resolventes. Nesse contexto reencontra-se o problema já assinalado no primeiro volume, de se encontrarem raízes quadradas de números negativos, problema que não é resolúvel no contexto dos números reais. Surge assim a necessidade de alargar de novo o conjunto dos números coma criação dos Números complexos, na segunda parte do capítulo. Para além das regras operativas da nova classe, o autor apresenta também a representação geométrica dos números complexos sublinhando as potencialidades dessa forma de representação.

Na terceira parte do capítulo, Interacções, aprofunda-se o estudo anterior, explorando as relações entre os dois temas (equações algébricas e números complexos). Partindo do conhecimento de que todas as equações algébricas de grau n têm n raízes que podem ser reais ou complexas, e de que só existem fórmulas resolventes para equações até ao grau 4, alarga-se o conceito de número irracional, mostrando que há todo um novo conjunto de números que têm essa classificação mas que não são expressos por um conjunto de operações algébricas incluindo a radiciação. Ainda nesta mesma parte do capítulo III, generaliza-se o conceito de função para incluir funções de variável complexa.

O quarto capítulo. Excursão histórica e filosófica retoma os temas abordados no capítulo IV do volume I, voltando à contextualização do desenvolvimento da matemática na Grécia, tendo em conta a envolvente filosófica e social na época. O enorme peso de Sócrates e Platão no pensamento grego de então, condiciona o desenvolvimento da matemática e da ciência. Uma posição profundamente idealista e avessa à experimentação e ao trabalho manual e mecânico tem naturalmente consequências na visão de um mundo estratificado entre «mestres» e «escravos». Por outro lado, a ancoragem do pensamento filosófico e científico à «permanência» por contraposição com a «fluência» que é rejeitada, vai, por exemplo, constituir um obstáculo ao desenvolvimento dos conceitos de variável e de função e, por extensão ao de lei científica. Como diz Caraça,

Estas duas limitações vão pesar duramente sobre as possibilidades de construção matemática obrigando o pensamento helénico a uma queda vertical, numa altura em que pareciam estar criadas as condições para uma ascensão vertiginosa.Elas representam uma autentica auto-condenação à esterilidade [...]

Apesar do bloqueio criado por muitos séculos pelo pensamento grego ao desenvolvimento da matemática, as coisas começaram a mudar, por influência da necessidade de dar à actividade manual e mecânica a importância que as circunstâncias foram impondo. Com o desenvolvimento do comércio e da actividade de artesãos na Idade Média, com o desenvolvimento de uma nova sociedade estruturada em torno de cidades e da classe que foi surgindo, os bloqueios impostos pela filosofia grega à ciência e à matemática foram caindo um a um e uma visão mais materialista e mais alicerçada em conjugação entre a experiência e a concepção intelectual foram-se estabelecendo. Este capítulo mostra essa evolução de forma extremamente cativante.

Este capítulo, bem como o já citado, capítulo IV do primeiro volume dos Conceitos é o contributo mais original e fecundo de Caraça à forma de conhecer e compreender a Matemática e as suas condicionantes sociais e históricas.

Este capítulo esteve na base de uma célebre polémica entre Bento de Jesus Caraça e António Sérgio, no fundo sobre a visão do mundo de Platão e as suas consequências para a matemática. Essa polémica desenvolveu-se na Vértice e os diversos artigos dos dois autores estão listados de seguida:

Nota 1

Este último texto foi preparado por Bento de Jesus Caraça na sequência da polémica anterior Mas não foi publicado na altura. A primeira publicação é feita nos livros referenciados a seguir e a publicação na revista Vértice surge posteriormente.

Nota 2

Todos os textos desta polémica foram reproduzidos nos seguintes livros:
Caraça, João Manuel (ed.), 1970, Bento de Jesus Caraça — Conferências e Outros Escritos, pp 289-320 e 333-376,
na 2ª edição do livro referenciado, de 1978, pp. 299-330 e 346-386. Esta conferência é também publicada noutro livro publicado em 2008 que é, basicamente, uma nova edição do anterior, A Cultura Integral do Indivíduo — Conferências e Outros Escritos, Lisboa: Gradiva, pp. 357-390 e 407-466.

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