Manuel Mendes, na sua Nota preliminar refere a dificuldade de escrever sobre uma personalidade tão complexa, mesmo existindo já, à altura, um grande número de estudos sobre Antero. Coloca os objectivos do livro no contexto da Biblioteca Cosmos:
Aqui, porém, procurava-se esboçar, com a maior simplicidade que fosse possível, o retrato do homem, através da dolorosa senda que foi o caminho da sua vida atormentada — desde que nasceu, faz agora um século, numa ilha dos Açores... E lá voltou um dia, passados quarenta e nove anos, buscar a morte pelas próprias mãos.
Como metodologia, acrescenta:
Sempre que foi possível contar a sua história pelas palavras que ele mesmo escreveu e por aquelas que tão enternecidamente os amigos e companheiros lhe dedicaram, achámos isso preferível, pois nos pareceu que, no seu testemunho vivo e flagrante, encontraria o leitor, ainda nítido e ainda dolorido, o eco das alegrias e das mágoas que fizeram a existência deste Poeta, e o reflexo imperecível que elas deixaram nos homens do seu tempo.
Para além da Nota preliminar e de uma Conclusão, o texto está dividido em quatro partes correspondendo a fases da sua vida, da sua obra e da sua intervenção social e política.
A primeira parte 1842 a 1865 corresponde à sua infância e juventude e descreve bem o ambiente social, político e literário em que Antero começou a formar a sua personalidade nomeadamente como resultado da sua frequência da Universidade de Coimbra. Manuel Mendes inicia esta parte com uma citação da Carta autobiográfica de Antero:
Abrira-se uma nova era para o pensamento português. O velho Portugal ainda conservado artificialmente por uma literatura de convenção morrera definitivamente. Desta espécie de revolução fui eu o porta-estandarte, com o que não me desvaneço sobremaneira, mas do que também não me arrependo. Se a uma ordem artificial se seguiu uma espécie de anarquia, é isso ainda assim preferível, porque uma contém germes de vida, e da outra nada havia a esperar.
Manuel Mendes dá, neste capítulo uma visão da vida intelectual e artística em Portugal em que Antero se movia onde se cruzavam linhas profundamente retrógradas e rasgos de inovação e modernidade. Do mesmo modo analisa as contradições do desenvolvimento e consolidação do liberalismo.
É importante nesta fase a publicação de Sonetos, obra da juventude, mas já com o amadurecimento que as circunstâncias da época propiciaram no poeta. Outras obras se seguiram, quer de carácter poético, quer de argumentação política e social, mostrando os caminhos que pretendia percorrer. As suas Odes Modernas são um marco que revelou um poeta que estabelecia uma rotura com o pensamento dominante. Este período termina com a sua saída de Coimbra, depois de terminar o curso e de passar mais alguns anos naquele ambiente estimulante.
A segunda parte 1886 a 1874 corresponde a um período da vida de Antero em que este já tinha atingido a maturidade do seu pensamento político, assumindo-se claramente como socialista, e também da sua poesia. É, apesar disso um período de instabilidade em que, após abandonar Coimbra, passa por Lisboa, volta aos Açores e ruma a Paris como operário da indústria gráfica onde permanece cerca de um ano.
Mário Mendes escolhe outra citação de Antero da sua Carta autobiográfica que, de algum modo estabelece o referencial em que Antero se colocou nesse período:
Ao mesmo tempo que conspirava a favor da União Ibérica, fundava com a outra mão sociedades operárias e introduzia, adepto de Marx e Engels, em Portugal,a Associação Internacional dos Trabalhadores. Fui durante uns 7 ou 8 anos uma espécie de pequeno Lassalle, e tive a minha hora de vã popularidade.
Neste período, as contradições entre aquilo que Antero achava que devia ser e aquilo que efectivamente era, causaram-lhe episódios de grande ansiedade e prostração que evoluíram para um estado de permanente doença nervosa (hoje diríamos de depressão) que condicionou o resto da sua vida. O regresso de Paris corresponde ao início de uma profunda crise que será, infelizmente, apenas a primeira. Vive alternadamente em Lisboa e nos Açores com curtos períodos em casa de amigos para tentar recuperar da sua depressão.
A vida política da época dá-lhe forças para re-emergir do seu torpor. Começa a participar no Cenáculo, uma tertúlia que agrega muitos intelectuais portugueses de ideias progressistas. Antero fará aí ou aprofundará amizades que o acompanharam por toda a vida. Antero envolve-se em várias iniciativas de divulgação e propaganda de ideias socialistas participando em várias acções do movimento operário que se ia consolidando.
Termina este período nos Açores afastado da vida agitada de Lisboa, mas preso de uma enorme frustração. Oliveira Martins, provavelmente o seu amigo mais próximo, assustado com a situação de Antero, vai aos Açores e consegue trazê-lo de volta para Lisboa.
A terceira parte cobre o período 1875-1881. Neste período a profunda depressão impede-o de exercer actividades que o retirassem da sua prostração. Vagueia entre Lisboa e os Açores mas sem objectivos claros. é apenas a necessidade de mudar. Uma breve colaboração com a Revista Ocidental que sobreviveu cerca de seis meses, trouxe-lhe um pouco de entusiasmo e alívio que durou pouco.
O autor cita, mais uma vez a Carta autobiográfica:
A forçada inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos ambiciosos e uma certa acuidade de sentimentos, própria da nevrose, puseram-me novamente e mais imperiosamente do que nunca, em face do grande problema da existência.
A morte da mãe em 1876 foi um rude golpe que contribuiu para afundar ainda mais oseu pensamento. Uma esperança de tratamento com um médico célebre, leva-o de novo a Paris. Mas os tratamentos recomendados não têm resultados duradouros e, no regresso a Portugal, o apagar da esperança mergulha-o de novo numa profunda depressão. A falta de uma família, a ausência de uma companheira, não ajudaram Antero a equilibrar a sua forma de vida que, neste período é quase continuamente, sombria e deprimente. Nem uma possível candidatura a deputado pelo Partido Socialista, vai conseguir tirar Antero da da sua prostração. Na parte final deste período consegue encontrar alguma paz e recuperar a sua capacidade de agir e passar alguns anos pacíficos e com alguma actividade. Percorrendo a sua obra eivada do pessimismo e de sentimentos profundamente negativos, decide queimar toda a sua poesia escrita nas fases difíceis que atravessou. Só parte da sua obra dessa época se salvou por estar na posse de amigos.
A quarta parte aborda o período 1882-1891, a fase final de vida de Antero.
Nesta parte final, é citada uma vez a Carta autobiográfica de Antero de Quental:
Não sei se poderei realizar, como tenho desejo, a exposição dogmática das minhas idéias filosóficas. Quisera comentar nessa obra suprema tôda a actividade dos anos que me restam a viver. Desconfio, porém, que não o conseguirei; a doença que me ataca os centros nervosos, não me permite esfôrço tão grande e tão aturado como fôra indispensável para levar a cabo tão grande emprêsa, Morrerei, porém, com a satisfação de ter entrevisto a direcção definitiva do pensamento europeu, o Norte para onde se inclina a divina bússola do espírito humano. Morrerei também, depois duma vida moralmente tão agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais íntimas aspirações da alma humana, e, como diziam os antigos, na paz do Senhor. — Assim o espero.
Este período inicia-se com a ida do poeta para Vila do Conde onde leva uma vida calma e sossegada, longe do bulício citadino e one inicia uma recuperação física e psicológica que lhe permite uma vida de leituras e de estudos aprofundados. Publicou algumas obras menores mas deixou de escrever poesia. Poucos anos depois ensaia um regresso a uma vida política mais activa que, em breve, o desencanta de novo e motiva a sua retirada para Vila do Conde, de novo. Antero tem necessidade de ir aos Açores nessa fase, para resolver alguns assuntos de família, mas é uma breve ausência, voltando depressa ao continente.
É nesta época que encontra energias e capacidade para escrever a sua mais marcante obra filosófica, Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do Século XIX, que lhe ocupou cerca de dois anos. O ultimato inglês em 1891 trouxe Antero de novo à luta política que lhe criou a ilusão de que agora havia as condições para a grande mudança. Poucos meses depois a realidade desmentia-o afundando-o na sua desilusão. Regressa aos Açores onde termina a sua vida com dois tiros de revólver.
O texto termina com uma Conclusão em que Manuel Mendes faz um breve apanhado das potencialidades da personalidade de Antero e das suas dificuldades em as concretizar até encerrar esse conflito com o suicídio.
Por fim, o autor inclui no final uma breve antologia de textos poéticos e em prosa que constituem um estímulo para o leitor procurar mais da obra de Antero de Quental.
GSA