Livro interessantíssimo, não só pelo tema, mas sobretudo pela forma como o autor interage com o leitor, dando-lhe um protagonismo que o motiva para analisar os aspectos tratados. Francisco Keil do Amaral é fiel às ideias de Bento de Jesus Caraça de que a compreensão de um tema implica que esse tema seja contextualizado na realidade social e económica da época.
A evolução das grandes ideias e técnicas da arquitectura é apresentada quase como uma consequência lógica da evolução das sociedades humanas ao longo dos tempos, das técnicas e dos materiais que vão ficando disponíveis e das necessidades que os grupos dominantes vão identificando.
Na Introdução Keil do Amaral indica a forma como vai fazer a apresentação da evolução da arquitectura na perspectiva que atrás se descreve.
As boas obras de Arquitectura representam, [...] a mais harmoniosa conjugação dos conhecimentos técnicos com o expoente de Arte atingido em determinado momento. Mas ainda não é tudo. Traduzem também os próprios ideais, a cultura e a maneira de viver dos povos.
e mais adiante, diz
Supõe muita gente que a evolução da Arquitectura é consequência apenas da intervenção genial de alguns artistas, da reconhecida insatisfação dos homens de Arte, sempre descontentes com as suas produções e procurando superar-se, fazer mais e melhor. [...]
Ora, se há, de facto, uma grande parte de verdade em tal critério, ele não é, contudo, inteiramente verdadeiro.[...]
Em realidade as formas e os tipos das edificações são, de certo modo, independentes dos desejos, da vontade, e dos sonhos dos artistas. A Arquitectura está sujeita a exigências várias , de ordem material, económica, social e psicológica; e esses factores impõem aos arquitectos determinados rumos condicionadores dos rumos do génio individual.
No capítulo I, Os primeiros passos da Arquitectura, o autor começa por chamar a atenção para o facto de, nos tempos remotos da pré-história em que os humanos usavam grutas para se abrigarem, já havia uma atitude que é de arquitecto, seleccionando as cavernas mais adaptadas às necessidades e com maior segurança, e realizando as alterações adequadas e possíveis com a (quase ausente) tecnologia do tempo para tornar o abrigo mais seguro e mais confortável.
O capítulo continua com análise das sucessivas necessidades, à medida que a evolução humana conduziu à agricultura e pastorícia, o que implicava a fixação em regiões adequadas e a construção de habitações que incluíam recintos para abrigar animais e que constituíssem protecção contra predadores e outros grupos humanos. Esses desenvolvimentos levaram a soluções arquitectónicas que tinham em conta a localização, o tipo de recursos disponíveis e as necessidades a satisfazer. O necessário desenvolvimento social resultante da vida em sociedade, ainda que primitiva, levou à necessidade de organizar caminhos e outras infraestruturas necessárias, isto é as primeiras obras públicas. Ainda nesta fase primitiva os monumentos funerários, os dolmens, foram também surgindo, fruto da necessidade de sepultar os mortos, e consolidando técnica de projecto e construtivas que eram claramente o início do desenvolvimento da Arquitectura.
O capítulo II é dedicado à Arquitectura na antiguidade. Analisa sucessivamente a Arquitectura no Egipto, na Caldeia e na Assíria, na Grécia e em Roma. No Egipto, a construção de túmulos destinados aos dirigentes quase divinos, os faraós, constituíram um dos principais objectos da Arquitectura, que foi projectando mastabas e, posteriormente, pirâmides, usando pedra disponível nas montanhas perto do Nilo e processos de transporte avançados para a época. O evoluir da sociedade egípcia fez surgir uma classe de sacerdotes que, progressivamente foi vendo a sua importância aumentar. Nessas circunstâncias a Arquitectura egípcia foi, naturalmente evoluindo para a construção de templos, cuja grandiosidade foi progressivamente acompanhando a importância dos sacerdotes na sociedade. A construção de templos trouxe o pilar que evoluiu para coluna e os lintéis.
Em relação à Caldeia e Assíria, Keil do Amaral mostra como uma civilização contemporânea da egípcia, mas com condições muito diferentes em termos de recursos, nomeadamente, sem facilidade em obter pedra e com solos inundados frequentemente de forma mais irregular em comparação com o Nilo, tem forçosamente de desenvolver outras soluções arquitetónicas. Por um lado, as irregularidades das cheias levaram á construção de obras hidráulicas de alguma complexidade. Por outro, o papel da pedra teve de ser atribuído ao tijolo feito com a abundante lama deixada pelas cheias e usado cru ou cozido em fornos. Não existindo pedra disponível, as coberturas dos edifícios tiveram de ser construídas também com tijolo em abóbada, criando uma nova solução estrutural. Por fim, como as inundações eram muito frequentes, os templos e os palácios tiveram de ser construídos sobre enormes e altos embasamentos construídos com tijolos, mas que ofereciam a estabilidade necessária mesmo quando o terreno estava inundado. Este tipo de solução levou a que as construções realizadas sobre essas plataformas fossem progressivamente caracterizadas pela multifuncionalidade (palácios, templos, armazéns, zonas administrativas). Um outro aspecto, resulta de uma conjuntura em que as guerras eram muito frequentes e era necessário defender as cidades e os palácios reais de ataques inimigos. Desenvolveu-se por isso a Arquitectura militar que construíu muralhas, torres e enormes e resistentes portões de grande dimensão em estruturas já com alguma complexidade.
No que diz respeito à Grécia, sociedade em que, passado o período pre-helénico, a estrutura social levou a uma maior importância do interesse público relativamente ao poder e riqueza dos dirigentes, a Arquitectura orientou-se para as necessidades colectivas e deixou de se dedicar a construções do tipo dos grandes palácios vistos noutros locais. A existência abundante de madeira, material mais barato que a pedra, levou a que as construções se fizessem utilizando-a, bem como o tijolo e a pedra, nomeadamente mármore. Os templos, de dimensões mais reduzidas do que noutras áreas, evoluíram, para uma maior qualidade dos materiais e da sua utilização, gerando soluções de grande equilíbrio e beleza. Um outro tipo de construção que surge na Grécia é o estádio onde espectadores assistem à prática de desportos, actividade introduzida pelos gregos. Do mesmo modo surgem os primeiros hipódromos para as corridas de cavalos. O desenvolvimento de instalações para serem fruídas pelo povo, levou, de seguida ao desenvolvimento de teatros ao ar livre. Para além das construções ao ar livre, a Arquitectura grega começa também a construir edifícios destinados ao exercício físico, mas também a encontros de carácter mais intelectual como palestras e aquilo que poderíamos chamar as primeiras sementes de instituições de ensino. Do mesmo modo surgem, já sem grande opulência edifícios destinados ao funcionamento das instituições que governavam a sociedade. do ponto de vista das soluções arquitectónicas, assiste-se ao aperfeiçoamento das colunas e lintéis, em três estilos, dórico, jónico e coríntio, ao aparecimento de coberturas de telha ou placas de mármore, assentes em estruturas de madeira, constituindo telhados em geral de duas águas e frontões em pedra finamente trabalhada para tapar nas fachadas os vãos debaixo dos telhados.
Roma, que no seu crescimento, submeteu militarmente a Grécia, começou por copiar muito do que na Grécia se fizera em Arquitectura e, no que diz respeito à arte, nomeadamente à estatuária, não hesitou em confiscar e levar para Roma obras gregas. O crescimento da sociedade romana levou a adaptações a um diferente contexto, trazendo desse modo, nova criatividade à Arquitectura (e à escultura). Criaram-se anfiteatros fechados, panteões templos para diversos deuses, arcos de triunfo para celebrar as vitórias militares de generais e imperadores. O enriquecimento de uma elite levou à construção de magníficas casas de campo. O aparecimento de banhos públicos e termas foram um novo estímulo ao conhecimento de hidráulica. Em Roma compatibilizou-se o uso de colunas e lintéis com paredes e abóbadas. A expansão do império e as necessidades de mobilidade, levaram à criação de uma imensa rede de estradas e de pontes de arquitectura avançada (algumas ainda hoje operacionais).
O capítulo III trata da Evolução da Arquitectura durante a Idade-Média. Consumada a queda do império romano com excepção do chamado Império Romano do Oriente com capital em Constantinopla, a força principal que se impôs foi a Igreja Católica, o que teve consequências relevantes no desenvolvimento da Arquitectura. Uma primeira consequência foi a construção de igrejas que permitiam à igreja interagir com os fiéis e estabelecer a sua rede de influências e conventos que funcionavam também como local onde uma reserva de quadros podia ser mantida de forma organizada. As igrejas com cobertura de madeira que seguiam a tradição dos templos romanos eram facilmente incendiadas e destruídas durante os inúmeros conflitos. A Igreja começou, portanto a construir templos com cobertura de pedra, seguindo os princípios iniciados pelos caldeus e aperfeiçoados pelos romanos, de construção de abóbadas. Começaram, portanto, a surgir grandes igrejas com cobertura em abóbada e reforço das paredes para suportarem as imensas abóbadas necessárias a essas grandes construções. Praticamente desapareceram janelas e outras aberturas para o exterior, por razões construtivas, mas reforçando, por outro lado a defesa dos templos perante investidas e invasores e de ladrões. Nascia o estilo românico.
Um outro aspecto relevante da arquitectura medieval são os castelos, fortalezas mais ou menos complexas onde habitavam os senhores feudais e, por vezes, parte das populações suas vassalas. Inicialmente os castelos tinham apenas funções militares, mas com o evoluir da situação começaram a englobar também palácios para habitação dos senhores e outras construções levando à necessidade de existência de várias linhas de defesa materializadas em muralhas. Da mesma forma as cidades cercaram-se de muralhas que protegiam as populações. À medida que se avançava no tempo as populações acorreram às cidades mais protegidas e onde era possível viver menos dependentemente dos senhores feudais. O natural crescimento impôs soluções construtivas novas para as habitações e para os negócios dos artesãos e comerciantes, levando ao aumento do número de andares das casas e do estreitar dos espaços públicos, em particular das ruas.
Um outro aspecto determinante foi o desenvolvimento de construções sustentadas em ogivas que possibilitaram o aparecimento de catedrais de maior riqueza estética e com muito mais aberturas para o exterior. Aparecia, portanto, lentamente, o estilo ogival que para além das catedrais se espalhou por todos os edifícios públicos.
O capítulo IV é dedicado aos Tempos Modernos. O capítulo começa com uma desmistificação do conceito de Renascimento referindo que todas as formas de arte, vinham a evoluir na Idade Média e não há uma fronteira clara entre o que se fazia antes e depois do que se convencionou chamar Renascimento. As mudanças apontadas assentam no aumento da força e influência da nova classe social, a Burguesia, no enfraquecimento dos velhos senhores e na diminuição da dependência da posse da terra para consolidar o enriquecimento e no desenvolvimento da actividade científica, em parte graças à perda de influência da Igreja Católica. Um aspecto particular mas da maior relevância foi a invenção da imprensa e a expansão rápida da divulgação em massa (para a altura) de obras literárias, filosóficas e científicas que passaram a ser acessíveis a muito mais extractos da população do que acontecia na Idade Média.
A Arquitectura seguiu as tendências desta época com a construção de palácios, já não para a aristocracia, mas para os burgueses de maior sucesso que tinham as condições económicas para suportar a construção desses imensos palácios recheados de obras de arte de elevada qualidade. Uma das inovações estruturais que surgem na construção de igrejas de maior vulto foi a construção de Cúpulas para cobrir grandes vãos, que eram na realidade duas cúpulas paralelas para distribuir as cargas e permitindo a utilização de reforços entre as cúpula exterior e a interior. Este tipo de construções — palácios e igrejas de arquitectura renovada, iniciou-se em Florença e rapidamente se expandiu a Roma e em breve por todo o lado onde a burguesia se ia reforçando, adaptando-se às condições locais.
Esta capítulo não termina sem uma parte dedicada a Portugal e à sua trajectória centrada nas viagens marítimas no Atlântico Sul e no oceano índico. Dessas odisseias resultou para a arquitectura, não uma contribuição significativa para uma inovação estrutural, mas um estilo decorativo na pedra dos edifícios, o chamado estilo Manuelino. E tal como os negócios resultantes das navegações e novos mercados não alteraram significativamente a estrutura social, criando apenas grandes manchas de riqueza e luxo, a contribuição portuguesa para a Arquitectura, nessa época limitou-se a um aspecto superficial e decorativo. A riqueza criada com os negócios da Índia, de África e do Brasil, permitiu convidar arquitectos italianos para erigirem em Portugal monumentos com nada de original.
Foi necessário um terramoto e a capacidade orientadora de um estadista, para surgir uma contribuição relevante para a Arquitectura com a reconstrução da cidade de Lisboa, criando novos conceitos de urbanismo, de técnicas de construção e de uma decoração sóbria e austera. Um novo conceito de cidade surgia. E aí houve inovação e construíram-se caminhos que outros mais tarde, percorreram.
O capítulo V, o último, é dedicado às Consequências da Revolução Industrial. A primeira é a necessidade, perante a concentração de operários em zonas muito densas das cidades, promover o seu alojamento, embora, as mais das vezes em alojamentos de muito pequena dimensão e qualidade. Keil do Amaral reconhece a propósito dessa situação que a Arquitectura começou a dar lugar ao Urbanismo.
[...]o problema da habitação económica se tornara já o problema geral da habitação, e tinha ultrapassado, em certo sentido, os limites da Arquitectura para entrar francamente nos do Urbanismo[...]
Claro que, para além da habitação foi necessário construir instalações industriais e outras, com especificações e finalidades completamente diversas de tudo o que a Arquitectura tinha visto at´então. Surge a construção em ferro e, posteriormente, o cimento armado. O aumento da produção industrial, o desenvolvimento acelerado de redes de transportes ferroviários, rodoviários, marítimos e aéreos, bem como de redes de telecomunicações modificaram completamente o ambiente urbano, e mesmo rural, colocando novos e profundos desafios à Arquitectura. As soluções tenderam a ser muito mais uniformizadas que antes, uma vez que os problemas a resolver eram os mesmos e a facilidade de comunicações levavam a que as soluções de êxito num local fossem adoptadas noutros muito distantes. Uma das soluções que nasceram nesta fase, foi a construção de edifícios de grande altura, os chamados arranha-céus.
O livro termina com a Conclusão em que sob o pretexto de uma conversa entre o autor e o leitor, se analisam alguma linhas gerais da evolução da arquitectura e das perspectivas para o seu futuro.