Associação
Bento de Jesus Caraça



Pequena História da Poesia Portuguesa
(Esboço da sua Evolução)

João de Barros

Neste livro de 123 páginas, João de Barros empreende a quase impossível tarefa de perspectivar a poesia portuguesa desde o início da nacionalidade até ao início do século XX ou, talvez mais correctamente, o final do século XIX.
Não podemos esquecer que o livro foi publicado em 1941 o que, desde logo, trunca muito do que hoje conhecemos da poesia portuguesa do século XX. Aliás o autor opta por quase não analisar a poesia do século XX, dedicando-lhe apenas duas páginas.

O autor partiu para a escrita do livro com uma perspectiva que expõe na introdução (A poesia, expressão da alma do povo):

A índole ou alma de qualquer povo revela-se de maneira mais ou menos clara, através da sua poesia.

A parte que o génio ou o talento individuais tiveram e têm sempre nas criações poéticas, mesmo naquelas que se atribuem apenas à inspiração popular, não diminui nem apaga o valor deste conceito, aliás geralmente admitido e aceite. E porquê?

Primeiro, porque a língua pátria imprime desde logo feição especial à instintiva, à expontânea expressão do sentimento, que é sempre e em toda a parte a autêntica poesia. Segundo, porque o ambiente, o clima, a paisagem familiar, os hábitos e a tradição comuns determinam poderosamente as nossas reacções emocionais perante o universo e a vida. Ora, quem diz reacções emocionais diz temas e motivos, sendo causas eficientes e, portanto, alimento necessário e fundamental da poesia, — cuja íntima substância, cuja essência profunda doutra riqueza não é feita e composta, por muito que a arte subtil dalguns poetas mais intelectualizados o não deixe às vezes entender ou adivinhar bem.

Mais concretamente João de Barros atribui ao povo português um temperamento lírico extremamente desenvolvido. Daí parte, ainda na introdução, para uma caracterização da literatura portuguesa:

A literatura portuguesa é, assim, pobre de pitoresco e de drama, mesmo nas suas realizações de intuito dramático ou de voluntário espírito descritivo. Não lhe falta, porém, a veemência amorosa, épica ou trágica, nem aos nossos escritores capacidade evocadora — virtudes líricas em tudo e por tudo. Ora, lirismo e poesia são palavras quase sinónimas, quase de igual vibração e conteúdo mental.

Desta perspectiva e da estratégia daí decorrente resulta, como o afirma o autor na Nota Final:

Alguns escritores, cuja actividade poética não deixou de afirmar certa importância, não foram citados neste livrinho. Torno a explicar porquê: — porque não representaram, sob tal aspecto, nenhuma característica modalidade do génio lírico português.

O livro inicia-se pelo período correspondente à Idade Média portuguesa na Primeira Jornada — Do «Cancioneiro da Ajuda» ao «Cancioneiro Geral» de Garcia de Resende. João de Barros mostra aquilo que na sua visão são as diferenças entre a poesia portuguesa dessa época e a poesia trovadoresca ou provençal, já manifestadas no lirismo dos poetas portugueses dessa época. Não negando as influências técnicas mais ou menos evidentes, é no conteúdo que essa diferença se faz mais notar. O papel de D. Dinis no nascimento e afirmação da poesia de raiz portuguesa é sublinhado e ilustrado.

Na Segunda Jornada João de Barros aborda a poesia de Portugal no Renascimento, conduzindo-nos De Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda a Luís de Camões. De novo o autor entende precaver o leitor para que a influência da poesia do Renascimento italiano na nossa escrita não pode ser exagerado, referindo que alguma obra poética no início dessa época bebe das tradições literárias portuguesas e assenta num novo ambiente que, esse sim, é comum à Renascença italiana e à realidade portuguesa de então. Isto não obstante o reconhecimento de ter Sá de Miranda, um intelectual muito ligado à cultura italiana, ter introduzido em Portugal novas métricas e novas estruturas de poemas que permitiram mudar os formatos habituais da poesia portuguesa.

A Terceira Jornada — De Francisco Rodrigues Lobo a Bocage atravessa os séculos XVII e XVIII em que, para além dos dois nomes já citados, o autor apenas considera como merecedores de reconhecimento dois outros poetas (Correia Garção e Tomás Gonzaga). A perspectiva é globalmente muito negativa. A ocupação castelhana na primeira metade do século XVII e toda a instabilidade que se seguiu à Restauração foram negativas para a poesia, pelo menos para a poesia baseada no tal lirismo do povo português que João de Barros privilegia.

O século XIX é, talvez, o período mais profundamente analisado representando, em termos de páginas, metade do volume. Trata-se da Quarta Jornada — Do romantismo de Garrett ao idealismo contemporâneo. Nesta Jornada o autor tem uma visão muito aberta do século XIX português, fazendo conjugar na análise do papel dos diversos protagonistas, a história política, os movimentos culturais e a sua evolução, no país e no exterior, a literatura, incluindo a poesia, e os diversos aspectos culturais. Um dos aspectos relevados tem a ver com o aparecimento de livros sobre a História numa perspectiva científica, bem como do romance histórico.

Como já foi referido, a análise do século XX é brevemente aflorada nas últimas duas páginas da Quarta Jornada sem possibilidade de mais que citar um pequeno conjunto de nomes, apenas de poetas já falecidos, por opção explícita do autor.

Ao longo de todo o livro são transcritas várias poesias das respectivas épocas, ilustrando bem a visão de João de Barros sobre a poesia portuguesa, nomeadamente no que diz respeito ao papel do lirismo. A última Jornada é, quer em termos absolutos (número de textos apresentados), quer em termos relativos, tendo em conta a sua extensão, aquela com menos transcrições.



GSA